domingo, 9 de dezembro de 2007

FAROFA

A história do Farofa começou no carnaval de 2007, quando eu fui levar uma de minhas cadelas, a Chai, para castrar numa clínica onde muitas pessoas deixam animais abandonados.
Eu estava na sala de espera lotada quando ele chegou dentro de uma caixa. Parecia estar machucado e o homem que o trouxe disse que havia sido atropelado.Dentro da caixa havia vários remédios e receitas jogados em cima do cachorro. Depois de alguns minutos, o homem simplesmente foi embora sem dizer nada a ninguém.
Logo se formou uma comoção em torno do bichinho, mas as pessoas só diziam o quanto ele estava machucado e sofrendo. Ninguém se ofereceu para fazer nada.

O que dava mais pena eram os gritos do cachorro toda vez que alguém o tocava. Diziam que estava com a pata quebrada e uma das ajudantes da clínica logo sentenciou: “esse daí não tem jeito, vai ser sacrificado”. Nossa, aquilo foi uma bomba para mim! É mais fácil a gente deixar passar quando pode se iludir de que o animal vai para um abrigo e terá uma chance, ainda que remota, de ser adotado e cuidado. Mas quando soube do destino que ele teria, olhei para minha cadela, tão vira-latas quanto ele, deitadinha e segura no meu colo e me senti imensamente inútil por deixar aquele animal morrer sem mover uma palha. Deixei a Chai para a cirurgia e, quando saí do consultório o cachorro já tinha sido levado, para meu alívio.
Fiquei tentando me convencer de que assim como ele, muitos morrem na mesma situação e eu não posso salvar todos, assim como não o havia salvado. Decidi esperar no carro, mas quando estava descendo as escadas da clínica o vi.
Estava dentro da mesma caixinha, ao lado do lixo, mas tinha levantado a cabeça e olhava diretamente para mim, vivíssimo. Pronto, aquela vontade de viver foi o que salvou o Farofa, pois na mesma hora percebi que não havia chance de sair dali sem ele.

Aí começou uma via crucis que chega a ser engraçada agora que tudo já passou. Eu sabia que uma amiga, a Ana Lúcia, tinha espaço para abrigar temporariamente mais um cachorro e comecei a ligar para ela que nem louca, mas meu celular não pegava direito, nem o dela. Liguei para todo mundo aos prantos, mas as ligações caíam! Assustei umas cinco pessoas e só depois de quase meia hora chorando no meio da rua foi que consegui falar com a Ana e ela disse que o receberia, sim.

Quando voltei com o Farofa para o consultório, tive uma notícia assustadora: a pata da frente estava tão machucada que o osso aparecia e tinha um início de necrose. Mas o problema real era que ele não se mantinha de pé e aquilo podia significar uma fratura na coluna. Me apavorei. Como eu faria para doar um animal paraplégico? A outra chance era uma fratura na bacia, um prognóstico bem melhor e reversível. Torci por isso, mesmo sem muita esperança, que quem lida com animais de rua sabe que o pior normalmente acontece. Mas, claro, levei-o para casa de qualquer jeito. Ele comeu e bebeu como louco e dormiu por horas.
A veterinária estimou que ele tinha cinco meses e demoraria mais ou menos um mês para voltar a andar caso estivesse apenas com a bacia fraturada.

As duas primeiras noites foram literalmente como ter um bebê recém-nascido em casa. Eu acordava de 30 em 30 minutos com os gritos do Farofa, pois ele não controlava suas necessidades e ficava se arrastando pelo quarto para não ficar sujo. Nem dá prá descrever a pena que eu senti. Ele gritava, eu chorava. Nos dias que se seguiram, com remédios, curativos, comida, caminha e carinho, ele foi se recuperando, a ferida da pata foi fechando. Todos os dias íamos à veterinária para trocar os curativos. Ele ia no banco de trás, quieto, deitadinho. Até que no quinto dia, eu olhei pelo retrovisor e lá estava ele, de pé, olhando pela janela! Quase bati com o carro de tanta surpresa! Então ele podia andar!

O desafio seguinte era conseguir controlar as necessidades. Aquilo me preocupava muito, pois um animal sem esse controle não pode estar dentro de casa. E quem é que tem quintal hoje em dia? A primeira radiografia revelou não uma, mas sete fraturas na bacia. Revelou também uma fratura na coluna, o que tornava improvável que ele voltasse a mover o rabo ou controlar as necessidades. Nada animador, mas naquele ponto já estávamos com o Farofa para o que desse e viesse. Não só eu, mas minha mãe, a Ana, o marido da Ana e uma pá de gente do Orkut. A torcida era fortíssima.

Mais ou menos um mês depois, percebemos que ele estava tentando levantar o rabo. Essas coisas podem parecer pequenas para quem está lendo, mas foi uma gritaria aqui em casa! Aquilo queria dizer que ele tinha chances de ficar 100%. E, de fato, em pouco tempo lá estava o danado abanando o rabo para tudo e todos e começando a controlar o xixi e o cocô.
Quando estava tudo perfeito e nos preparávamos para mandá-lo para a casa da Ana para o final da recuperação, o Farofa cai doente com uma erlichiose brabíssima. A Ana me dava força, dizendo que aquele era só mais um tijolinho no castelo do Farofa, mas o desânimo e a preocupação eram inevitáveis. E mais um mês de tratamento intensivo, mais remédios, mais veterinário, mais uma luta pro Farofa, que àquela altura do campeonato já era Fá, Fafucho, Fafinho. E ainda se recuperando dessa doença ele foi para a casa da Ana, esperar a sorte rara de um lar definitivo.

Agora, quem conta o resto dessa história é a Ana Lúcia:

Fá chegou aqui em casa fazendo um tratamento de erlichia, mas muito bem, obrigada! Deixamos ele e Max brincando e a verdade é que eu ainda tinha medo do Farofa “quebrar”, afinal, tudo o que ele passou não foi brincadeira...
No início, Fá e Max ficavam separados, cada um no seu cantinho. Brincavam juntos sob minha supervisão. Quem conhece o Max pessoalmente sabe o por quê da minha preocupação, mas vou apresentá-lo para quem não o conhece. Max é um labrador preto com míseros 30 quilos. Pra provar pra todo mundo que ele tem um labrador no seu passado, ele possui todo o temperamento típico da raça e isso inclui o ciúme e as peraltices eternas. Enfim, eles ficavam separados para o Max não destruir o Farofa.
Apesar de separados, era visível que gostavam um da companhia do outro. Comecei a pensar então em juntá-los, mas juro que achava o Farofa o cachorro mais frágil do mundo...
Esse divórcio canino durou cerca de 1 mês, quando achei que o Fá já estava preparado pro tranco. Ficavam soltos de dia e eu separava de noite, afinal, eu queria vigiar o tempo todo em que estivessem juntos, mas essa situação durou pouco tempo. Logo estava dormindo juntos.

Farofa permanecia em tratamento. Ao término do remédio, novo exame de sangue e a constatação de que a maldita ainda estava lá. Mais 1 mês de tratamento e [bingo!], ela sumiu.
O problema agora era doar o Fá, afinal, ele estava aqui em casa num lar provisório... Não era fácil pensar em não ter mais o Farofa brincando com o Max, me olhando com aquele olhinho pidão (que salvou a vida dele!) e fazendo festa quando eu aparecia...
Eu chorava todas as vezes que pensava que tinha que anunciá-lo e entregar aquele cachorrinho guerreiro pra alguém. E se a pessoa não cuidasse dele com o mesmo carinho? E se a pessoa não lavasse sempre o bumbum dele? E se, e se... Farofa agora já era o Costelinha, Fafá, Pussussú...

E ele tinha que encontrar um lar. No meu coração ele já havia encontrado, mas a realidade era diferente. Meu marido não queria mais nenhum animal em casa, já que já tínhamos 2 gatos e o Max. O Júnior sempre me perguntava sobre a doação do Farofa e isso me causava uma grande tristeza, porque eu queria ele pra mim.

Fá foi se superando a cada dia. Ele já controlava um pouco o cocô, mas quando ele se abaixou pra fazer foi um dia de festa! Nunca vi um cocô causar tanta alegria!!! É claro que a Joana comemorava junto do outro lado da linha! Quando levantou a patinha pra fazer xixi então!!!

Chegou então a hora de castrar o Costelinha. Ele foi um “homenzinho”, se comportou muito bem! A recuperação foi tranqüila. Só não sabia que a castração diminuía um pouquinho a imunidade e com isso, aquela maldita chamada erlichia ressurgiu das cinzas. Estava escondida, esperando somente uma janela imunológica se abrir... Fá ficou mal, eu realmente achei que ele iria morrer.
Acordei um dia pela manhã e o encontrei deitado e nesse dia, ele não se levantou para me dar bom dia. Sentei ao seu lado e ele só me olhou, com aqueles mesmos olhinhos que fizeram a Joana salvar sua vida. Mais uma vez seus olhos falavam. Olhei sua gengiva e ela estava branca como o leite. Mau sinal.

Corri pro veterinário e tive a certeza do que eu desconfiava. Mais um tratamento foi feito. Novo exame de sangue e os vestígios ainda estavam ali. Outro tratamento. Mas nesse meio tempo algo de muito bom aconteceu. Eu já amava esse magrelo há muito tempo, mas nesse momento de total fragilidade, eu me dediquei muito ao Fá. Tive que deixá-lo separado mais uma vez do Max e o negão sentiu sua falta. Ficava deitadinho perto do Fá e o chamando para as brincadeira, mas a vet foi bem taxativa: não de brincadeiras de correr! Repouso para se recuperar! Meu marido também cuidou do Fá, percebeu a sua vontade de viver e observou muito o Max e eu.

Dia 12 de junho, dia dos namorados. Junior sentou ao meu lado e conversou comigo. Me disse que não havia comprado um presente pra mim, pq eu era uma pessoa especial que merecia algo muito maior que o dinheiro poderia comprar... Me deu um beijo e falou que eu poderia ficar com o Farofa, como presente pelo Dia dos Namorados. Eu explodi de alegria!!! Depois de dar muitos beijinhos no marido mais lindo, amado e adorado do mundo, corri lá pra fora e beijei muito o MEU Fafá!!! E ele sabia o que estava acontecendo, tenho certeza!!! Deu muitos saltitos, muitas lambidinhas, muitas corridas pelo quintal!

Hoje, Farofa cresceu, ganhou corpo e bate de frente com o Max. Não bate de frente brigando não, bate de frente mesmo! Max e Farofa pulam um de frente pro outro! E agora não tenho mais medo do Costelinha quebrar! Ele é forte, esperto, bagunceiro e muito, muito feliz!

Farofa é sinônimo de cachorro guerreiro, que tem amor pela vida, que deseja e merece tudo de bom que possamos oferecer. Farofa é a prova de que os animais sofrem com o abandono. Farofa é o testemunho de que um recomeço é sempre possível. Farofa é sinônimo de gratidão. Cuido dele com muito amor, muito carinho e muita dedicação e ele me recompensa com beijinhos, carinho e farra. Ele e Max formam uma dupla dinâmica. Fazem muita besteira juntos; viraram cúmplices. Destruíram o que um dia eu chamava de canteiros, comeram lençóis, comeram o pé da escada. Roeram os fios do carro e jogam toda a terra do que sobrou dos canteiros pra fora. A cada dia, uma nova surpresa, mas a cada dia que passa eu os amo mais.

Um comentário:

Kelly Resende disse...

Já tinha lido a historia do Farofa antes no site, e tinha ficado muito emocionada. Hoje vi a historia aqui no Blog e reli, o que novamente me causou a mesma emoção, ou seja, me acabei de chorar. hehehe
Muito legal a historia do Farofa, parabéns a todos vcs que ajudaram a salvar mais essa vida.